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O Todo-Poderoso fez-se todo-debilidade
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O Império Romano havia atingido um auge de progresso, mas também se afundara num abismo de decadência moral. E o mundo civilizado não encontrava solução para seus problemas. Um frágil Menino veio trazer a luz à terra.
Clara Isabel Morazzani
Muito se tem falado da grandeza e do esplendor da antiga Roma… e não sem razão. Basta fazer uma rápida visita à Cidade Eterna, percorrer os foros, admirar as gigantescas ruínas das Termas de Caracalla, contemplar por alguns momentos o Coliseu ou parar diante do famoso Pantheon, cujas proporções arquitetônicas deixam extasiados os especialistas modernos, para dar-se conta dos inúmeros dons de inteligência e organização com os quais foi aquinhoado o povo romano. Soube ele fazer uso de suas capacidades naturais. Unindo ao espírito empreendedor uma rara subtileza, impôs-se às outras nações, quase todas afundadas na completa barbárie, e instalou uma civilização a seu modo: floresceram o cultivo dos campos e a criação de rebanhos, surgiram as construções sólidas, as cidades populosas, as estradas seguras. A pax romana estendeu- se por toda parte, até os extremos limites do Império. Olhando para o caminho percorrido, os romanos podiam sentir uma compreensível ufania por ter atingido um auge de cultura, riqueza e poder.
O egoísmo era a lei que regia as ações do homem
Contudo, a realidade desse quadro – pintado por alguns entusiastas como Sêneca, Plinio e Plutarco – aparece- nos bem diferente ao considerarmos, em seus detalhes, a decadência social e moral do mundo romano de então. Por debaixo de todos aqueles esplendores latejava uma profunda miséria. Roma tornara-se, não a rainha, mas a tirana da humanidade.
Em toda parte acentuava-se o contraste entre a riqueza e a indigência, bem como o domínio despótico do forte sobre o fraco. O egoísmo era a lei que regia as ações do homem.
Por outro lado, uma imensa corrupção dos costumes se alastrava por todo o território dos césares. A existência dos cidadãos livres decorria numa ociosidade propícia a todos os vícios, na procura desordenada do luxo e dos prazeres. As crônicas da época nos descrevem algumas das diversões que tanto atraíam as turbas: orgias, corridas, lutas de gladiadores, comédias. O que mais agradava àquele povo embrutecido era ver correr o sangue humano; com freqüência, ele se mostrava exigente com os imperadores, se o espetáculo não era suficientemente sanguinário para causar-lhe o delírio.
Para compreender o estado de degradação e imoralidade em que soçobrava a sociedade antiga, basta lembrar a epístola de São Paulo aos romanos, na qual o Apóstolo recrimina os escândalos e abusos aos quais eles chegaram, por não terem procurado chegar a Deus através das criaturas.
Todos buscavam a felicidade onde ela não podia ser encontrada
Esta situação criava na Ásia, na África e na Europa uma atmosfera irrespirável. Tudo quanto os homens haviam desejado e conquistado deixava- lhes na alma um terrível vazio e até um pavoroso tormento. Nada conseguia acalmar seus apetites desregrados; corriam atrás da felicidade, mas buscavam-na onde ela não se encontrava e ao julgar havê-la achado, constatavam que ela não podia saciá-los. Todos sentiam pairar uma grande crise que ameaçava terminar numa ruína inevitável. Assim, o quadro das nações aparecia mergulhado em densas trevas e a História estava, por assim dizer, parada na muda expectativa de uma solução para tantos problemas.
Não faltavam, entretanto, almas boas que manifestavam sua inconformidade ante todos esses desvarios e conservavam uma vaga reminiscência da promessa, transmitida por Adão e Eva ao saírem do Paraíso, da chegada de um Salvador.
De onde poderia vir esse Esperado das nações? Acaso seria um sábio ou um potentado? Ou um príncipe, um general dotado de poder e força extraordinárias, capaz de dominar sobre toda a humanidade? Todos os olhos estavam ansiosamente à procura de alguém do qual pudesse vir o socorro…
O reino da graça, da bondade e da misericórdia
E eis que Deus, confundindo a sabedoria e a ciência deste mundo, mostrou-Se aos homens da forma como estes menos podiam imaginar: um bebê tenro, frágil, comunicativo, deitado sobre as palhas de uma manjedoura, sorrindo!
Ali, no fundo de um estábulo, na humilde cidade de Belém, está reclinada a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, feita Menino para Se colocar à nossa altura e à nossa disposição. Ele não vem convocar soldados, nem impor jugos, nem exigir tributos; não Se manifesta sob os fulgores da justiça punitiva que se revelara no Antigo Testamento. Pelo contrário, esse Deus todo-poderoso faz-se todo-debilidade, a marca da realeza repousa agora sobre os ombros de um encantador Recém-Nascido que abre graciosamente os braços e parece dizer, por entre seus infantis vagidos, o que mais tarde anunciará a todas as gerações: “Eu não vim chamar os justos, mas os pecadores” (Mt 9, 13). Sim, é um reino que Ele vem implantar, mas este será o reino da graça, da bondade e da misericórdia.
Oh! que a humanidade inteira, cansada e sobrecarregada pelo peso de seus pecados, venha prostrar-se diante desse esplêndido presépio no qual se encontra não só o feno dos animais, mas também o alimento dos Anjos! Que o homem velho se despoje das ações das trevas e corra para adorar, enternecido, a Divina Criança que lhe traz a luz!
No meio da noite escura e fria, um mundo novo começa a surgir em torno da sagrada gruta onde vela José abismado em profundo respeito, ora Maria em maternal contemplação e dorme o Menino em paz celestial…
(Revista Arautos do Evangelho, Dez/2006, n. 60, p. 20-21)
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