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Que estranha aquela noite!
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Revelando profundo estro poético, Dom Lucio Renna canta os sublimes mistérios e alegrias daquela noite santa quando Deus Filho nasceu neste mundo, tornando-Se nosso irmão.
Dom Lucio Angelo Renna, O.Carm.
Bispo de Avezzano (Itália)
Que estranha aquela noite! Após uma jornada cheia de acontecimentos, de gritos, de cantos, de orações, de encontros entre pessoas provenientes de diversos países para serem recenseadas, após um barulho ensurdecedor, ruídos ininterruptos e insuportáveis, após tantas e tantas coisas que a mais ardente fantasia nunca conseguiria imaginar, após tudo isso um estranho silêncio, profundo, arcano, misterioso.
Parecia que o universo parara, que as criaturas de repente decidiram calar-se. Era como se a respiração do mundo criado cessasse, voluntária e obstinadamente.
Que estranha aquela noite, cheia de fascínio, de magia, de expectativa, de mistério! Nenhum balir de ovelha, nenhuma voz de homem, de mulher ou de criança, nenhum sinal de vida: parecia que um torpor universal
Que estranha aquela noite! Após uma jornada cheia de acontecimentos, de gritos, de cantos, de orações, de encontros entre pessoas provenientes de diversos países para serem recenseadas, após um barulho ensurdecedor, ruídos ininterruptos e insuportáveis, após tantas e tantas coisas que a mais ardente fantasia nunca conseguiria imaginar, após tudo isso um estranho silêncio, profundo, arcano, misterioso.
Que estranha aquela noite na qual o Filho de Deus nasceu, pobre entre os mais pobres, em tudo semelhante aos homens, exceto no pecado! No calor, na cor, nos cânticos, no gáudio imenso daquela estranha noite não foram poucos os que notaram sobre a manjedoura a sombra – inicialmente escura e depois cada vez mais luminosa – de uma cruz.
Parecia que o universo parara, que as criaturas de repente decidiram calar-se. Era como se a respiração do mundo criado cessasse, voluntária e obstinadamente.
Que estranha aquela noite, cheia de fascínio, de magia, de expectativa, de mistério! Nenhum balir de ovelha, nenhuma voz de homem, de mulher ou de criança, nenhum sinal de vida: parecia que um torpor universal pesava sobre as coisas, as plantas, os animais, as pessoas. Aqui e ali se podia perceber alguma janela fracamente iluminada.
No céu brilhavam, silenciosas, muitas e muitas estrelas. Nos casebres dos pobres, as crianças estranhamente não choravam. Nos suntuosos palácios dos poderosos, não se ouviam sons, cantos, danças: pareciam envolvidos por uma austera e severa capa de silêncio, como nunca nenhum israelita podia ter memória.
“O que está para acontecer?” – perguntava-se um ou outro, espiando curioso e ansioso pela fresta da porta de sua casa.
“É estranho, estranho, estranho!” – sentenciava o velho sábio, rodeado de meninos e meninas desejosos de saber sobre os Vaticinadores, os Profetas, os Patriarcas, o Messias que nunca chegava, apesar de sua secular invocação: Maranatha, maranatha.
Tudo, em suma, parecia ter-se fechado e adormecido por encanto. E como que para não perturbar o silêncio, o velho sábio, naquela noite, falava brandamente, muito brandamente.
Que estranha aquela noite: quase ninguém conseguia adormecer!
Intuía-se um acontecimento. Mas qual? O que estava para acontecer? Onde? Tais perguntas esvoaçavam delicadamente no ar e nos corações de todos, ao longo daquela estranha noite.
Os sacerdotes do Templo rezavam com o coração, porque também eles temiam perturbar, salmodiando, o silêncio daquela estranha noite. Se algum deles, cansado, inclinava sonolento a cabeça, era de súbito sacudido por uma força misteriosa. Todos estavam em ansiosa espera, mas ninguém sabia do que ou de quem.
Que estranha aquela noite!
Depois, como chegando de um longo, interminável caminho de séculos, todos perceberam, claro, distinto, o choro de um recém-nascido.
Como ao aceno de invisível maestro, explode a sinfonia do universo! Entrelaçam-se vozes de anjos, de homens, de animais. Até as árvores da floresta se unem, com os cetáceos e os peixes, àquele canto que não se podia saber bem se descia do céu ou para lá subia.
Somente após o primeiro momento de maravilhamento, de admiração e de júbilo universal, todos compreenderam que os anjos do Céu queriam cantar em coro com todas as criaturas, com o universo criado. Cantavam as surpresas e maravilhas do Senhor, o qual, naquela estranha noite, tinha dado à humanidade o seu Filho Unigênito, nascido da Virgem Maria numa obscura aldeia da Palestina de belíssimo nome: Belém, casa do pão.
Nascera o Esperado prometido e todos estavam convidados a encontrar- se com Ele. Pedia-se tão-só a simplicidade e a pureza da mente e do coração para contemplar, no menininho da manjedoura, o Messias.
Naquela estranha noite ouviam-se apenas cantos de alegria.
Ninguém implorava mais: maranatha. Todos sabiam que o Verbo tinha-Se tornado o Emanuel; que Deus, tinha descido do Céu à nossa terra; que doravante todos os acontecimentos da História seriam datados de antes ou depois do inaudito evento do nascimento de Cristo.
O mundo parecia estupefato, percorrido por grande alegria, inundado por grande luz. Nunca as estrelas, brilhantes e belas, tinham sido vistas tão resplendentes; a mais luminosa foi chamar os magos do Oriente.
Naquela estranha noite, de vários pontos da Palestina, puseram-se a caminho diversos grupos, em geral de pastores, todos caminhando para uma gruta da qual se irradiava o esplendor de inefável luz. Os corações simples ouviam o canto dos anjos, que louvavam a Deus e auguravam paz aos homens de boa vontade.
Os sacerdotes do Templo, perpassados por um arrepio interior, compreendiam que estava para se iniciar a era nova da História. Os velhos sábios empurravam as crianças, os jovens e os adultos para Belém. Alguns deles, mais anciãos e cansados que os outros, ficavam em seus casebres, tristes por não terem a força física para se unirem aos peregrinos. Todos os outros entravam na fila felizes, sem sentir cansaço algum no caminho para Belém.
Os jovens cantavam e dançavam como nunca o haviam feito, porque vibravam de uma alegria indizível, profunda, ao aproximar-se da meta de todos naquela estranha noite.
Um ou outro, desconfiado e invejoso, resistia à força misteriosa e, em sua casa, nutria em si sentimentos tenebrosos e contestatários que lhe impediam de participar da alegria do universo, considerando em risco sua própria situação social e econômica.
Dos grandes abrigos de caravanas partiam também muitos senhores com seus camelos, dromedários, cavalos e modestas mulas, seguindo a estrada iluminada pelas estrelas naquela estranha noite que resplandecia como sol em pleno dia.
Na gruta, Maria de Nazaré, a Virgem- Mãe, contemplava extasiada aquele delicado bebê no qual adorava seu Deus. Seus olhos estavam fixos nos d’Ele. Falavam- se, Mãe e Filho, na silenciosa linguagem do amor. Ela, a filha de Sião, tinha nos olhos a ansiedade, a alegria, a gratidão, a esperança do povo de Javé, acumuladas no decurso dos séculos.
Por meio de seu olhar parecia que se dirigiam para a manjedoura os olhares de inumeráveis pessoas, de todas as idades e classes sociais, que tinham implorado, suplicado, espreitado a vinda do Esperado. Em Maria, todos tinham a resposta da parte de Deus: nasceu Jesus! O Menino, movendo as perninhas, chorando, sorrindo assegurava à Mãe: eis-Me aqui, estou contigo, estou convosco.
Também José contemplava e entrevia, com os olhos da fé, na penúria da gruta, o dom inefável, imenso, infinito de Deus. E rezava, enquanto, com gestos afetuosos e desajeitados, prestava ajuda a Maria!
A gruta, nesse ínterim, tornava-se tão grande quanto o mundo. Muitos e ainda muitos outros aí chegavam, cantando: “Descestes das estrelas, ó rei do Céu”; e ofereciam toda espécie de presentes.
No cruzamento das traves, sobre aquela manjedoura, vagia, sorria, chorava o Menino Jesus. Que estranha aquela noite que, fazendo uma reviravolta na História da humanidade, deu início à era da salvação!
(Publicado originalmente no livro “Confidenzialmente a Maria”, com o título “Che strana quella notte”.)
(Revista Arautos do Evangelho, Dez/2005, n. 48, p. 36-37)
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